Blogosfera anima Seixal

Samuel Cruz, pelo PS, e Paulo Edson Cunha, pelo PSD, são candidatos à autarquia do Seixal.
O Notícias da Zona realizou com eles uma entrevista colectiva inédita, com o objectivo de falar sobre cada um dos seus blogues. Uma nova forma de fazer política que está a dar muito que falar
OS IDEAIS políticos dos dois candidatos são distintos, mas não é motivo para estarem de costas voltadas. O entendimento entre ambos é notório e, segundo defendem, aquilo que os move passa por alguns objectivos comuns: remover a CDU da liderança camarária, combater a abstenção e procurar responder às necessidades dos seixalenses, mesmo que para alguns estas sejam metas algo utópicas.
As reacções diariamente registadas nos blogues “Rumo a Bombordo”, de Samuel Cruz, e “Revolta das Laranjas”, de Paulo Edson Cunha, demonstram o peso que a blogosfera pode ter na afirmação e intervenção política. Por isso os desafiámos para esta entrevista conjunta.


NZ- O que os levou a criar um blogue e quando é que o criaram?

Samuel Cruz - A minha primeira experiência com blogues data de 2004. Em concreto, o “Rumo a Bombordo”, que está agora activo, foi criado em 2007. A motivação foi a necessidade que sentia em comunicar aquilo que se passava, tendo eu o cargo de vereador da Câmara Municipal do Seixal. Em democracia, é através do voto que depositamos a nossa confiança em alguém que tem um discurso semelhante ao nosso. Quando não temos a capacidade de fazer ouvir a nossa voz, através de um simples blogue poderemos atribuir essa confiança a alguém, que terá a possibilidade de o fazer. Em meados do meu mandato, em 2007, percebi que esse é um conceito que, sendo verdadeiro na génese da democracia, está perfeitamente adulterado. Ou seja, com o avanço das novas tecnologias, facilmente qualquer pessoa do concelho fará ouvir mais a sua voz, de uma forma independente, do que a minha, enquanto vereador. No fundo, o objectivo do blogue é prestar contas, tal como escrevi no meu primeiro post. É algo que se tornou muito motivador, quer do ponto de vista pessoal, quer na relação com o leitor. A nível pessoal, é um exercício disciplinador, que me obriga a estudar e a estruturar ideias. Por outro lado, melhorou substancialmente a minha relação com os eleitores, embora também leve a que sejamos confrontados com a crítica, que é sempre bem-vinda e também nos ajuda a corrigir a nossa acção.

Paulo Edson Cunha - O meu primeiro blogue surgiu quando o jornal Sol se formou e logo possibilitou no seu site a criação de blogues. Uma pessoa amiga desafiou-me a publicar um texto que tinha escrito e assim o fiz. Havia, também, uma necessidade de compilar todo o meu trabalho e mostrá-lo de uma forma pessoal, sem qualquer objectivo político. Mas, mais tarde, apercebi-me das potencialidades que esse blogue poderia ter em termos políticos, já que poderia mostrar o trabalho que estava a desenvolver aos munícipes. Apesar disso, era um blogue pessoal que as pessoas acabaram por institucionalizar. Aceitei essa mudança, uma vez que passei a expor questões políticas, gerando uma interacção com a população e criando um conjunto de situações que nos leva, igualmente, a aprender também com outros blogues e outras realidades. Começámos assim a criar um serviço público que, por exemplo, a câmara do Seixal – que tanto se orgulha de estar na vanguarda dos sistemas informáticos – não faz. Nós prestamos esse serviço, inclusive, gerando várias críticas, algumas delas claramente destrutivas.

NZ - O que leva um bloguista a publicar as actas das reuniões do executivo camarário quando a Câmara Municipal do Seixal tem o seu próprio site?

PEC - Quem publica as actas já pertence ao executivo da câmara e, justiça lhe seja feita, é o vereador Samuel Cruz. No “Rumo a Bombordo”, o Samuel abriu um novo capítulo quando começou a publicar as actas da câmara, assim como eu abrira outro capítulo anteriormente quando comecei a apresentar as moções das assembleias no meu blogue. Eu não tinha um acesso fácil e directo às actas e essa é uma das críticas que fazemos: as actas são entregues demasiado tarde aos próprios vereadores. Quem não o é, terá o acesso ainda mais tardio. Uma vez que tanto eu como o Samuel temos um público-alvo muito similar e não sendo eu vereador, se as publicasse seria redutor. Até porque essa é uma obrigação da câmara.

SC - Quando tomei a decisão de publicar as actas, o objectivo primordial foi poder informar. Antes de o fazer, pedi várias vezes em sessão de câmara que estas fossem publicadas rapidamente no site. Curioso é que, após a publicação das actas, já vários assuntos foram trazidos à blogosfera, retirados da própria acta e que, de outra forma, não se teria conhecimento. Desde a criação do blogue, o site da câmara evidencia-se pela negativa, não só por não publicar as actas, como também pelo facto de se ter tornado quase impossível, depois do advento do blogue, o acesso à base de dados do Boletim Municipal, devido aos confrontos que surgiram pelo cumprimento ou incumprimento das promessas eleitorais do executivo. Ao invés de facilitarem o trabalho dos últimos tempos, dificultaram-no ainda mais, retirando a possibilidade de pesquisa das publicações antigas do boletim.

NZ - Acreditam que os blogues tiveram um papel decisivo para a vossa nomeação como candidatos à presidência da Câmara?

PEC - Acredito que sim, não só pela importância do blogue no contexto local, como também pelo facto de termos passado a realidade do blogue para o jornal onde damos a nossa opinião política. Os nossos blogues são os mais lidos na nossa localidade e julgo que conseguimos criar um grande impacto junto da sociedade.

SC - Não diria decisivo, mas teve um papel importante de acesso ao leitor. A escolha de um candidato é o reconhecimento do seu trabalho e mérito. O papel dos blogues não é tanto melhorar o nosso trabalho mas, sim, torná-lo visível. Pegando no que o Paulo disse, vou citar o professor João Canavilhas, especialista em ciberjornalismo, da Universidade da Beira Interior, que tem um trabalho intitulado A Blogosfera e as Relações, onde diz que “a passagem para a esfera pública parece continuar a depender do impulso dos media tradicionais porque se poderia dizer que, actualmente, os blogues geram novos actores”. Connosco houve um efeito do mesmo tipo, tal como aconteceu com outras pessoas que tinham blogues e acabaram a escrever em colunas de jornais.

Incomodar o poder

NZ – Com o trabalho que têm desenvolvido, acreditam que a informação que transmitem nos vossos blogues incomoda o poder instalado?

SC - Não tenho dúvidas! Possuo, aliás, provas evidentes sobre a atenção com que o blogue é seguido e a influência directa que tem na acção da câmara. Um dos exemplos claros foi o facto de ao ter publicado que faltava óleo nas oficinas da autarquia, numa terça-feira de manhã, e nesse mesmo dia à tarde, já não faltava. Os vereadores da maioria, inclusive, imprimem os nossos posts e têm-nos consigo em sessões de câmara. Outro exemplo curioso foi o post onde referi que o Fórum do Seixal não se realizava há mais de um ano. Quinze dias depois, ele começou em todas as freguesias.

PEC - O que está em causa é o facto de sermos os dois principais líderes da oposição, sendo que um de nós, caso não ganhe a CDU, será o futuro presidente da câmara. Só esse facto faz com que cada um dos nossos blogues seja visto, lido e analisado com particular atenção. Não tenho dúvidas que uma das coisas que o presidente da autarquia faz, logo pela manhã ou ao final do dia, é espreitar qual foi a última “diabrura” que publicámos. Mas a verdade é que temos tratado de temas com a maior elevação possível, o que nos dá credibilidade. Uma das coisas que mais incomoda a CDU é a cordialidade entre o PSD e o PS do Seixal, assim como o facto de fazermos referências ao blogue um do outro, não tendo a CDU percebido que isso apenas acontece quando queremos chamar à atenção para algo. Também fazemos referências a qualquer outro site ou blogue, às vezes apenas para dizer “vá ver o outro lado”, para que as pessoas tomem conhecimento de uma outra perspectiva sobre um assunto. Obviamente que não o fazemos por acharmos que o lado contrário tem razão porque, por questões de princípio, estamos muitas vezes em desacordo. Temos é um denominador comum que é o de querer o melhor para o Seixal.

NZ – Estão, portanto, convencidos que toda esse aceitação ao nível dos blogues e que passa também pela comunicação social poderá combater a abstenção no concelho do Seixal?

SC - Penso que sim e foi algo pensado na criação do blogue. Para que tenham uma ideia, o Technorati, que é um motor de busca específico de blogues, apresenta dados que provam que a maioria dos utilizadores do meu blogue é composta por homens dos 18 aos 35 anos, com elevado grau de escolaridade, o que corresponde de alguma forma ao perfil sociológico do Seixal. Por isso, penso que este esforço em informar a população irá ajudar a combater a elevada taxa de abstenção.

PEC - Concordo que é mais um contributo para combater a abstenção. Se o conseguirmos, ficarei muito feliz e orgulhoso.

Os perigos da difamação

NZ – O blogue “Acorda Seixal”, de um vosso colega, avisou recentemente que não permitiria comentários insultuosos, por verificar que muitos deles, assinados por anónimos ou por nomes falsos, são notoriamente colocados pela mesma pessoa, com o objectivo claro de desacreditar e difamar todos os que dão a cara na política. Concordam com esta medida?

PEC - Esta é uma questão das mais complexas na blogosfera. No meu blogue tem aparecido um conjunto de difamações, algumas até de adversários políticos directos. Dentro do possível, tenho tido o cuidado de não colocar esses comentários. Mas o crime por difamação é um conceito bastante amplo e discutível. Se formos rigorosos, diria mesmo que 90 por cento dos comentários que se fazem poderiam entrar no conceito de difamação. Mas entendo que, em democracia, desde que não se dirijam directamente a alguém, dou a maior liberdade aos comentadores, também numa tentativa de demonstrar quão fracas são essas pessoas que, por via do anonimato, difamam toda a classe política, sem visar ninguém em particular. Tenho dificuldade em permitir comentários que visem, por exemplo, o Samuel. São opiniões que, ao serem publicadas, podem ser entendidas como se eu próprio estivesse de acordo. Já retirei vários comentários desse tipo, quer sejam sobre o presidente da câmara ou qualquer outro adversário. Mas é um procedimento sobre o qual devemos ter atenção, para não sermos acusados de censura.

SC - É, de facto, uma das questões mais delicadas e há dois critérios essenciais que relaciono aos comentários. Um é o lado jurídico, pela difamação, sendo que a responsabilidade da publicação é nossa. O segundo é o segredo político, sendo que o blogue trata questões políticas. A ofensa e a falta de educação, apesar do anonimato, percebe-se facilmente de onde vem e sabemos que irá reverter sobre os seus autores. O que se pode fazer é passar a informação pelo crivo das três peneiras, tal como definido por um filósofo antigo: se é verdade o que se vai contar, se beneficia alguém com isso e se é necessário e importante que o saibamos. É este o exercício que aplico quando leio os blogues. Depois de ultrapassada a questão jurídica e política, sou bastante liberal, até porque se não houver a discussão de um tema, perde-se o interesse no blogue.

NZ - Ao publicarem esse tipo de comentários não acham que poderão estar a anular o esforço que fazem para dar mais credibilidade à política?

PEC - Sem dúvida, mas também não somos nós que causamos isso. A verdade é que conseguimos aproximar as pessoas da política, mesmo através da polémica. Mas o objectivo do blogue é apenas formar e informar.

SC – Não considero que discredibilize os blogues porque o corpo dos mesmos são os nossos posts, que se resumem a factos. Quem comenta, na tentativa de discredibilizar aquilo que eu escrevi, acaba por discredibilizar a sua própria opinião. Quem leu, por exemplo, o comentário “mais uma peta do Samuel”, quando falei sobre a falta de óleo nas oficinas da câmara, não pensou que esse comentário estava a contradizer o que eu disse, porque se tratava de uma opinião subjectiva e não de um facto.


NZ – Concordam com a máxima “não interessa se dizem bem ou mal, é preciso é que falem de nós”?

PEC – Tenho ouvido muito essa frase ultimamente, desde que lancei o outdoor e pela associação, que foi tão polémica, ao presidente Obama. Compreendo o princípio, mas não estou de acordo. Prefiro que falem bem.

SC – Também não concordo, porque se trata de notoriedade, que tanto pode ser positiva como negativa. Temos um exemplo de notoriedade muito negativa, como é o caso de Osama Bin Laden...


Texto de: Sandra Mendes
Questionário elaborado por: Fernando Soares Reis
Foto:
Fernando Soares Reis

Comentários

  1. Boa noite
    Cara Sandra, parabéns pelo seu excelente trabalho. Só foi pena nenhum dos dois candidatos referirem que os mesmos blogues saem semanalmente num semanário local e daí o sucesso que os mesmos alcançaram.
    Não sei se a omissão foi dos entrevistados, ou de quem elaborou o questionário.
    Cumprimentos e continue o bom trabalho e lembre-se de que o jornalismo é a melhor e a pior das profissões...
    M.

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  2. Boa noite, caro anónimo M.
    Desde já, agradeço o seu comentário, bem como o elogio ao trabalho jornalístico realizado.

    Sobre o facto de ambos os candidatos não terem comentado que participam num semanário local, podem não tê-lo dito ao pormenor, mas referiram que escrever para um jornal é algo que ambos fazem, respondendo à nossa 3ª pergunta. Uma vez que o teor da entrevista era a importância da blogosfera na política e não a importância dos jornais na mesma, não poderia haver qualquer omissão implicita.
    E se o sucesso dos blogues é um resultado disso ou não, talvez nem todos os leitores partilhem da mesma opinião.
    É uma questão que só os candidatos e autores dos blogues poderão responder.

    Bem haja!

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  3. Bruno Ribeiro Barata19 de abril de 2009 às 00:31

    Parabéns aos candidatos pela excelente entrevista e pelo trabalho desenvolvido na credibilização da política local.
    Com os votos de sucesso ao combate à abstenção.

    Parabéns aos autores da entevista.

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  4. Sandra
    Agora já sei quem és, pela foto foi fácil,
    devias de aprender a ser Jornalista. Será que consegues dormir bem ou não...

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  5. Caro(a) anónimo(a),
    se já sabe quem sou, pela minha fotografia, parabéns,
    mas isso não lhe adianta grande coisa e também não lhe dá o direito para me tratar por tu.
    Na sua opinião, acha que não sei o que é Jornalismo, mas pode ter a certeza que má educada e burra é coisa que não sou, com toda a certeza.
    Se eu deveria ser melhor jornalista? Uns poderão dizer que sim, assim como outros tantos saberão reconhecer que luto diariamente por um bom trabalho e que o alcanço a cada dia que passa. Tendo eu consciência do que faço, sim, durmo todas as noites tranquilíssima, muito obrigada!
    Por último, não me leve a mal, mas acho que há uma coisa que deveria ser você a aprender:
    quando ofendemos alguém, devemos ao menos ter a decência de dar a cara (ou o nome, neste caso).
    Pode, ao menos, dizer-me o que lhe fiz de tão grave?
    Esteja à vontade para responder, mesmo que camuflado(a)...

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